Sexta-feira, Março 29, 2024
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No país dos doutores, afinal parece que não há nenhum

como-elaborar-bom-curriculo-noticiasO problema de Portugal nem é ter poucos escândalos, é ter sempre os mesmos. Ainda o povo estava a recuperar do escândalo com a licenciatura de José Sócrates, Miguel Relvas mostrava logo como se fazia uma carreira académica com equivalências. Ainda o povo estava a recuperar do escândalo com a licenciatura de Miguel Relvas, agora são os assessores e chefes de gabinete do Governo que dizem que são licenciados e são. Quase.

Vamos a ver e no país dos doutores, afinal não há nenhum.

Porque os currículos criativos não são um exclusivo dos funcionários da política. Há uma certa tendência para quem está na política aldrabar, é verdade. É como os corredores de automóveis, também não conseguem andar devagar. Passar um dia a trabalhar na política e depois, ao fim do dia, ir para casa de forma séria é muito difícil. Temos de perceber.

Na verdade, se fosse obrigatório liquidar um imposto de selo sempre que se aldraba um currículo, não estávamos mergulhados nesta crise sem fim à vista e podíamos mandar o ministro alemão pela rampa da Falperra, pois já não precisávamos dele.

Ora, vinte em cada dez currículos estão aldrabados. Começa logo com “gosto muito de ler”. Gostam todos de ler. Alguns nem sabem ler mas dizem que é o seu hobby favorito. Nem sabem o que é um livro. Quando vêem um pensam que é para comer. Depois fazem todos imenso desporto. E vão ao teatro. E cursos de línguas? Frequentaram um dia um curso de línguas mas é como se aquela fosse a sua língua mãe. No plano da informática, a criatividade costuma estar no Office, com o qual uma maioria diz estar muito confortável mas quando vê uma folha de Excel pensa que foi o ecrã que se partiu.

Claro que aldrabar nas licenciaturas é um bocadinho excessivo, mas o princípio é o mesmo. Temos de ter currículos ricos. Porque a sociedade quer ser enganada. Há alguns anos, numa entrevista de head hunting, o cavalheiro perguntou-me porque é que eu gostava de publicidade e eu respondi simplesmente “porque é giro”. O cavalheiro olhou para mim, perguntando com os olhos “é só isso que consegues dizer, meu bronco?”. E eu olhei para o cavalheiro, respondendo com os olhos “assim de repente, não me ocorre mais nada”. E o cavalheiro continuou a olhar para mim, retorquindo com os olhos “não me cheira que vás longe”. E de facto ele tinha jeito para avaliar as pessoas.

Ele estava à espera que eu fosse com o discurso preparado e que à pergunta “porque é que gosta de publicidade?”, eu respondesse sem hesitações e de forma escorreita: Porque a publicidade é a arte de comunicar um produto, valorizando-o, e eu sou extraordinariamente comunicativo, os meus pais um dia numa viagem entre Lisboa e Porto até tiveram de me enfiar uma lambada para eu me calar pois já não me podiam ouvir.

É. A sociedade gosta de ser enganada e quer ser enganada. Por isso, de certa forma concordo com quem decide apresentar licenciaturas que, na verdade, não tem. Porque também não gosta de ler. Nem de ir ao teatro. Não faz desporto há mil anos. Não sabe o que é o Excel nem é “bom” em francês.

No caso em concreto destes funcionários da política que foram apanhados com quase licenciaturas… A verdade é que eles não podiam pôr no currículo “macaco bom na arte da malandrice política, muito útil para assessorar ministros e secretários de Estado”. Por isso tiveram de meter licenciaturas e como não tinham, inventaram.

Porque a verdade pura e simples às vezes é pouco. Tem de se pôr mais qualquer coisa.

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